Continuando o assunto do artigo anterior, vamos ver agora as metodologias de desenvolvimento de jogos e sua constante evolução.
Metodologias de Desenvolvimento
No artigo anterior apresentamos os pioneiros do desenvolvimento de jogos digitais. Àquela época era comum que as equipes de criação fossem formadas majoritariamente por programadores e os jogos fossem jogados por poucas pessoas (ROGERS, 2012). Também se destacou a evolução ferramental e mercadológica do universo de jogos digitais. Toda essa evolução veio acompanhada da revolução técnica do desenvolvimento e do surgimento de novas metodologias aplicadas na criação e gestão de projetos de jogos. Com isso surge também a necessidade de equipes maiores e mais diversificadas. Artistas, designers, produtores, compositores, testadores e diversos outros profissionais passam a compor as equipes de criação (ROGERS, 2012). O aumento da exigência de qualidade técnica dos jogos como um produto audiovisual transforma o desenvolvimento de jogos digitais em uma atividade cada vez mais complexa. Cada etapa do processo de desenvolvimento passando a concentrar mais importância. Bond (2017) ressalta que durante muitos anos a indústria da produção de software, incluindo jogos digitais, se utilizou de uma metodologia de desenvolvimento conhecida como waterfall1. Nesta época o time de desenvolvimento das empresas costumava seguir um enorme documento de design quase que até o final, sem testar de fato o próprio jogo. Ainda segundo Bond (2017), as metodologias de desenvolvimento ágil de software vieram quebrar essa engrenagem que encarcerou a criatividade das equipes. O texto a seguir apresenta as bases do Manifesto para Desenvolvimento Ágil de Software:
- Estamos descobrindo maneiras melhores de desenvolver software, fazendo-o nós mesmos e ajudando outros a fazerem o mesmo. Através deste trabalho, passamos a valorizar:
- Indivíduos e interações mais que processos e ferramentas;
- Software em funcionamento mais que documentação abrangente;
- Colaboração com o cliente mais que negociação de contratos;
- Responder a mudanças mais que seguir um plano.
- Ou seja, mesmo havendo valor nos itens à direita,
- valorizamos mais os itens à esquerda.
(BECK, et al., 2001)
Uma das metodologias de desenvolvimento ágil utilizadas pelas empresas de software é o Scrum. Consiste basicamente em um sistema de gerenciamento de processos através da divisão das tarefas em itens, também chamados de histórias, definidos inicialmente pela lista de requisitos do cliente. Após a definição das histórias o desenvolvimento é dividido em etapas contendo uma ou mais histórias, de acordo com o tamanho da equipe do projeto. Cada etapa, nomeada sprint, é planejada, executada e revisada durante seu ciclo de desenvolvimento. Os sprints devem ser preferencialmente curtos para permitir mais agilidade ao projeto em caso de mudanças (Kniberg, 2007). O Scrum pode ser uma ótima metodologia de gerenciamento de projetos para desenvolvedores iniciantes devido a sua fácil adaptação ao tamanho da equipe bem como ao próprio projeto.
Game Design
Game design é o processo de criação de uma narrativa e busca a imersão do jogador no universo do jogo utilizando-se de várias formas integradas de interação. Desde roteiro, música, efeitos visuais e sonoros até a interface, o game design procura gerar sensações que tornam o jogo interessante dentro de sua proposta. Em uma definição bem mais simplista Schell(2008) afirma que game design “é o ato de decidir o que um jogo deveria ser”. Como bem ressaltado por Schell, essa definição simplista de game design não implica uma definição semelhante para o que é um jogo digital em si. Pelo contrário, o game design aponta para como o designer imaginou originalmente seu jogo e não para o que ele de fato será no final do processo de desenvolvimento. Para projetar jogos de qualidade o game designer precisa ter conhecimentos em quase todas as áreas envolvidas diretamente na produção mas não só isso. Quanto mais habilidades e conhecimentos gerais acumulados melhores são as opções criativas. Sobre esses conceitos Schell aponta como importantes para o game designer conhecimentos tão diversos quanto antropologia, história, matemática, engenharia, administração, etc. Ele afirma que a principal habilidade do game designer deve ser o ato de saber ouvir. “Ouvir a equipe, a audiência, o próprio jogo, os clientes e a si mesmo” (SCHELL, 2008).
Para iniciar sua empreitada pelo universo de desenvolvimento de jogos, principal objeto deste estudo, o desenvolvedor iniciante deve definir quais caminhos são mais indicados para o seu progresso. Não é uma tarefa fácil dada a quantidade de conhecimentos necessários e o grande número de opções do mercado. A grande preocupação do desenvolvedor iniciante, especialmente no papel de game designer, deve ser o de imaginar algo que possa ser projetado, desenvolvido e terminado. Na criação de seus jogos o desenvolvedor deve levar em consideração as habilidades que possui e quais as opções para suprir uma eventual falta de conhecimento ou prática para determinadas áreas do desenvolvimento. Uma das formas de alcançar este objetivo é começar com projetos pequenos, rápidos e bem definidos. Em um projeto pequeno o desenvolvedor pode aprofundar conhecimentos, aprender novas tecnologias e estudar as boas práticas aplicáveis. Além disso existe o prazer pessoal e motivacional proporcionado pelo simples fato de ver seu produto finalizado. Uma das técnicas para se manter o projeto de jogo digital dentro de um limite passível de realização é a Estratégia dos Escopos Concêntricos (DIAS, 2020) que define um conjunto mínimo de requisitos capazes de apresentar as características imaginadas para o produto. Então cada novo projeto e escopo pode ter como ponto de partida o escopo anterior, ampliando a qualidade do produto sem deixar que ele fique incompleto. Em uma comparação rápida podemos avaliar este recurso como um conceito geral da metodologia de desenvolvimento ágil aplicada também ao game design.
Embora este tipo de estratégia pareça óbvio, não são poucos os relatos de desenvolvedores independentes em blogs e vídeos descrevendo os erros que cometeram ao tentar iniciar a carreira projetando jogos com escopo demasiado grande para os recursos disponíveis. Destas experiências de fracasso muitas lições são aprendidas e o desenvolvedor deve estar sempre atento a prática deste conhecimento. Para evitar esses erros a lista a seguir apresenta algumas dicas consideradas importantes para desenvolvedores iniciantes que desejam começar um projeto:
Dicas para a criação de jogos digitais
• Aprenda os fundamentos.
• Tenha uma meta definida.
• Tenha consciência que os planos vão mudar.
• Saiba procurar ajuda.
• Evite esforços que não compensam.
• Procure desenvolver utilizando as ferramentas que já possui.
• Há inspiração por toda parte.
• Tenha consciência que poderá falhar.
• Não desista!
(LARGE, 2019, tradução nossa)
Documento de Game Design – GDD
O projeto de um jogo, como qualquer outro projeto profissional, exige algum tipo de documentação que faça o delineamento geral do objeto a ser construído. Existem diversos tipos de documentos que auxiliam o projeto de jogos digitais. Cada um deles associado a aspectos específicos do desenvolvimento. Para a área da criação ou ideia de jogo existe o Documento de Game Design. O objetivo principal do GDD (sigla do inglês Game Design Document) segundo Rogers (2012) é promover a comunicação da ideia de jogo para as pessoas ou entidades interessadas no seu desenvolvimento, por exemplo, os jogadores, a equipe de desenvolvimento ou possíveis investidores. O documento deve ser claro o suficiente para transmitir a ideia central do game designer e a experiência que se deseja passar para seu público-alvo.
Em sua pesquisa sobre o desenvolvimento independente de jogos Zambon e Chagas (2018) afirmam que “os processos tradicionais que envolvem criação de GDD, arte conceitual e documentação de especificações técnicas, foram desenvolvidos para a produção racionalizada, não para a produção independente.” Pode-se concluir disto que o que é bom para grandes estúdios com equipes gigantescas não é necessariamente bom para pequenos grupos de desenvolvedores ou desenvolvedores solo. O que se deve considerar é a distinção de até que medida alguns desses processos tradicionais podem e devem ser utilizados como referência. Segundo Rogers (2012) existem vários modelos de documentos de game design desde os mais simples com uma ou poucas páginas até os mais completos que chegam a ter em torno de 300 páginas. Ele sugere uma abordagem evolutiva para a criação do GDD iniciando pelo documento de página única, seguindo para um documento em torno de dez páginas e, por fim, um GDD completo. Os documentos de design podem conter apenas textos que descrevem as principais características do projeto ou podem conter imagens que facilitem a expressão da ideia que se deseja passar. Entre as principais características do projeto de um jogo contidas em um GDD simples Rogers cita o resumo do jogo, um esboço das ações do jogador e os diferenciais do jogo frente ao mercado. Desenvolvedores iniciantes, normalmente com equipes reduzidas, podem encontrar no GDD de uma página descrito por Rogers uma ótima ferramenta para desenvolver seus projetos por ser um documento bastante simples e de rápida execução.
Leia a continuação deste artigo em Introdução ao Desenvolvimento de Jogos – Parte 3
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